Uma mulher, um longo tempo passou
ao lado de seu marido. Ele, um homem muito bom, honesto e que tinha um cargo de
prestígio na sociedade. Sua mulher era uma doce e adorável jovem que se
entregara de corpo e alma ao marido, amando-o e respeitando. Não havia dúvidas
de que eles se amavam.
Amar foi o que a mulher mais fez
desde que conheceu aquele homem maravilhoso. Era lindo, inteligente, charmoso e
importante. Ela fazia de tudo por ele e ele, por ela. Seus vizinhos estavam
muito contentes em poderem prestigiar todas aquelas cenas de cavalheirismo,
toda aquela cena de casal apaixonado.
Alguns meses depois, aquilo que os
vizinhos observavam tornou-se, literalmente, cena. Cena de filme de romance.
Tão falso quanto as cenas que podemos observar nos filmes. O marido da jovem
estava revelando-se. Revelando seu verdadeiro caráter marital. Sua doce e
adorável esposa estava cada dia mais abatida.
O homem, cavalheiro perante os olhos
sociais, era um marido cada vez pior. Tudo começou com uma simples discussão
entre o casal. Ela tinha errado a quantidade de sal no arroz. Faltava sal no
arroz e um pouco de compreensão e paciência no marido, afinal, aquilo nunca
acontecera. Seu marido jogou o prato de comida no chão para que ela limpasse.
Disse que não era obrigado a comer porcaria. Sua mulher, chorando, recolheu a
sujeira e se pôs diante do fogão para, mais uma vez, cozinhar o jantar.
Enquanto ela preparava o arroz, seu marido vai a um restaurante jantar. Nem, ao
menos, avisou a sua esposa. Ela ficou preparando o prato do marido, acreditando
que ele logo retornaria.
O homem, ainda irritado, terminou
seu jantar e, no caminho para casa, resolveu parar um bar, pois avistara alguns
amigos. Sua mulher, sozinha em casa, quando percebeu que, às vinte e três
horas, seu marido não viria jantar com ela, deitou-se em sua cama e começou a
chorar, culpando-se e se autopunindo, dizendo a si mesma que era incompetente.
Quando o marido chegou em casa,
subiu até o quarto do casal e viu sua mulher chorando, inconsoladamente. Ele
pediu desculpas à mulher e disse que foi tudo um mal entendido e que ela devia
desculpá-lo. Disse que teve um problema no trabalho e estava muito nervoso. A
mulher, muito apaixonada, vira-se e dá-lhe um forte abraço e diz que o ama.
Tudo voltara ao normal; quase. Duas
semanas depois, o homem chega irritado em casa e trata sua mulher com muita
grosseria. A pobre mulher pergunta o que estava acontecendo, mas a única
resposta que obteve, através do grito do seu marido, foi “NÃO TE INTERESSA,
VADIA!”. O marido se levantou e empurrou sua mulher, que estava servindo-lhe
chá antes do jantar. Ela deu um pequeno grito; um pouco do chá do bule que
estava em sua mão caiu em seu braço e em seu pé. Ele nem se importou. Subiu até
o quarto e bateu a porta. A jovem esposa lavou o braço e subiu tomar um banho.
No dia seguinte, a mulher acordou e
preparou o café para o marido. Ele levantou e passou direto pela cozinha, sem
nem despedir-se da esposa. Foi trabalhar. Ela deixou cair os ombros. Pôs-se a
chorar. Quando o relógio mostrou a hora do marido chegar, o chá já estava à
mesa. Para agradá-lo e tentar passar por cima dessa fase ruim, ela comprou bolo
de cenoura e alguns ingredientes para uma deliciosa sobremesa. Seu marido não
chegou. Ela ficou muito preocupada e tentou ligar para ele, porém seu celular
estava desligado. Acabara a bateria, pensou ela.
Mais uma vez, estava a jovem sozinha
em sua aconchegante casa. Estava tudo preparado para quando o marido chegasse.
Ela preparara o chá da tarde e ele não chegou; ela preparara o jantar, todavia
ele não chegou; a sobremesa ficara pronta e, infelizmente, ele não chegou.
Somente durante a madrugada, em meio ao som do choro da jovem, o ranger da
porta do quarto anunciou a chegada do marido. Ela levantou-se e deu um forte
abraço em seu marido, aliviada. No entanto, seu marido a empurra em direção à
cama. Ela, assustada, caiu, mas a única coisa que disse foi que estava feliz
por ele estar lá; não estava ferido, não havia se metido em brigas, não fora
assaltado. Ele, muito irritado, xingou-a e meteu-se para fora do quarto. Ela
ficou lá. Pensou ela que seu marido já estava mais calmo. Desceu até a sala e
disse-lhe que ele precisava jantar. Ele negou, olhando apenas para o filme que
passava. Então, a fim de agradá-lo, ela disse que fizera sobremesa e estava
pronta na geladeira. Ela virou o rosto para ela. Seu olhar era de fúria.
-Você saiu de casa? – perguntou,
levantando-se do sofá.
-Sim. Fui comprar os ingredientes
para a sobremesa.
-Sua vadia profana – acertou-lhe um
tapa no rosto. – Quem deu-lhe ordem para sair?
-O que você está fazendo? – disse
enquanto rolava lágrimas em seu rosto.
-Eu não quero que saia nunca mais,
puta!
Ela o encarou por alguns instantes; não
entendera o porquê daquela atitude do marido. Subiu correndo as escadas e
trancou-se no quarto de hóspedes. Deitou-se na cama e chorou até adormecer.
Pela manhã, acordou com seu marido
batendo à porta do quarto. “Acorde!”, dizia ele. Ela se levantou e abriu a
porta.
-Que tipo de esposa não prepara o
café para o marido?
Ele, antes de qualquer resposta,
grudou no braço delicado da esposa e a puxou escada a baixo e a jogou para
dentro da cozinha.
-Cozinhe, vadia!
-Por que você está fazendo isso?
Você não era assim.
Ele aproximou-se bruscamente e pegou
os cabelos da nuca dela.
-Esqueça aquele homem que você
conheceu porque você não me serve mais como mulher, apenas como minha esposa
medíocre e puta.
Ela o empurrou.
-Eu não sou puta! – gritou.
-Não? Que tipo de mulher sai de casa
enquanto seu marido está trabalhando? Uma puta.
-Eu apenas fui ao mercado.
-Chega! – gritou – Estou atrasado e
você vai me atrasar ainda mais.
Ela, sem saber o que fazer, virou-se
e começou a preparar o café do marido. Ficou pronto em 10 minutos, todavia seu
marido já estava se levantando da mesa.
-Demorou muito. Tome café sozinha.
Eu vou à padaria.
Ele saiu e bateu a porta.
Quando voltou à noite, sua mulher
estava esperando na sala.
-Onde você estava, meu amor?
-Não te IN-TE-RES-SA!
Ele acendeu a luz e, então, uma faca
entrou no coração da pobre jovem apaixonada
Ao acender a luz da sala, seu marido
revelou uma marca de batom vermelho na gola de sua camisa. Ela começou a chorar
imediatamente. Ele percebeu. Caminhou na direção da mulher, calmamente, abrindo
o cinto. Quando chegou perto, pôs a mão no seio da jovem. Instantaneamente, ela
bateu em sua mão, tirando-a de seu corpo. Irritado, o marido deu um tapa no
rosto dela, derrubando-a do sofá. Com chutes, continuou a agredir sua esposa.
Tirou o cinto que envolvia suas calças e continuou a agredi-la usando o objeto.
Parou e sentou-se no sofá. Ela estava chorando no chão. Sangrava. Ele se
levantou e a pôs de pé, levantando-a pelos cabelos. Pegou em sua garganta e
disse que se ela contasse a alguém, iria bater mais. Jogou-a no sofá. Ele subiu
e trancou a porta do quarto.
Amanheceu. Ela ainda estava no sofá;
não dormira. Levantou-se e foi até o banheiro de visitas e lavou-se. Ouviu que
o marido estava descendo as escadas para ir trabalhar. Fechou a porta do
banheiro e trancou. Quando escutou a porta da sala se fechando, ela abriu
lentamente a porta, espiando através da abertura que aumentava devagar. Ele já
saíra. Ela tirou suas roupas e subiu tomar um banho. Estava desolada. Não
acreditava naquilo que vinha acontecendo há mais de um mês. “Mas, ontem, ele
passou dos limites”, pensou a pobre mulher. Durante seu banho, as costas ardiam
devido aos ferimentos causados pelo cinto do homem. Homem; não mais seu marido.
Meses passando por esse sofrimento
sem que pudesse abrir a boca. Quando os vizinhos perguntavam sobre as manchas
que, a cada semana, aparecia num lugar diferente do corpo esbelto da jovem
mulher. No rosto, nos braços, um olho roxo. Cada semana uma desculpa nova. “Bati
meu rosto porta”; “O roxo nos meus braços? Ah, deve ser de algum lugar que eu
bati”; quando fui pegar meu brinco que caiu, bati o olho na cama”.
Contudo, percebiam os vizinhos que a
jovem não era a mesma. Estava nitidamente deprimida, sempre cabisbaixa, saía
menos no portão de sua casa. Quando um dos vizinhos apareciam, ela logo metia-se
para dentro de casa. “Algo está errado”, pensavam o idoso casal que morava ao
lado.
Passaram-se longos meses sem que a
rotina de apanhar terminasse. Ela tentava de tudo, porém seu marido nunca
estava satisfeito. Ele sempre a humilhava, sempre batia nela. Quando ela dizia
que estava infeliz e que queria divorciar-se, ele dizia que era falta de sexo e
a forçava a transar com ele.
E, assim, passaram-se mais meses.
Ela já nem saía mais na rua, pois as marcas já tomavam quase seu corpo todo.
Seu marido já expusera que não gostava mais dela. Assumiu que tinha outra
mulher e que ela o fazia muito feliz, em todos os aspectos, e que sua mulher
era apenas um brinquedo, um animal de estimação.
A raiva dentro de seu coração já
destruíra todo e qualquer amor que havia lá dentro. Nem mesmo seus pais ela
amava mais. Eles não se importavam com ela, nunca a haviam visitado. Apenas
ligavam. Quando ela lhes contou por telefone o que acontecia dentro da casa,
seu pai lhe disse que a culpa era dela, pois, se ela fosse uma esposa melhor,
seu marido não estaria fazendo isso. Aquilo foi a gota d’água.
Ela, enquanto seu marido trabalhava,
foi até a casa dos pais. Bateu à porta e quem lhe atendeu foi sua mãe. Ela
entrou sem nem falar com a mãe. Procurou seu pai pela casa, contudo, não
encontrou. Perguntou à sua mãe que disse que ele havia saído e voltaria em algumas
horas. A jovem, então, encarou a mãe.
-Você sabia disso? – subindo o
vestido que estava cobrindo as marcas horríveis que estavam por todo seu corpo.
-Filha, eu... eu... sinto muito...
-Sente muito? Você sente muito? Eu
queria que papai e você tivessem me deixado em algum buraco para morrer.
-Não diga isso, filha. Nós te
amamos.
A jovem começou a chorar.
-Agora é tarde para dizer isso,
mamãe. Eu não te amo mais.
A jovem, sacou uma tesoura da bolsa
e enfiou em sua mãe. Tirou e enfiou novamente, não na barriga, dessa vez no
peito. Sua mãe caiu. Em sua cabeça, não conseguia recordar-se de uma única vez
que dissera que amava a filha. As únicas lembranças eram de maus tratos,
humilhação, submissão. Percebeu que iria para o inferno, mesmo indo três vezes
por semana na igreja. Aquilo não adiantava; seu pecado era dentro de casa. A
jovem ficou olhando sua mãe morrer no chão da sala. Não se arrependeu em
momento algum. Quando sua mãe deu o último suspiro, ela retirou a longa tesoura
que estava no peito de sua mãe e fechou os olhos dela. Ela subiu para seu
antigo quarto. Ainda continha todas as bonecas suas. Deitou-se na cama. Algumas
poucas horas depois, ouviu seu pai estacionando na frente da casa. Desceu.
Quando seu pai abriu a porta da
sala, a primeira coisa que viu foi sua mulher morta no chão e, em seguida, sua
visão escureceu. Havia levado uma pancada na cabeça. Alguns minutos depois, ao
acordar, sentiu sua cabeça doer como nunca. “Meu Deus, minha casa foi invadida”,
pensou o homem amarrado à uma cadeira. De repente, ouviu passos atrás de si. Tentou
se virar, não conseguiu. De repente, não creu em seus olhos. A pessoa que o
havia amarrado era sua própria filha.
-O que você está fazendo, filha?
-Não me chame mais assim.
-O quê? Mas por quê?
-Pai, era para você ser meu herói,
mas, infelizmente, você ajudou o vilão a dar um final triste para a história.
Ele, sem entender, observou a filha
caminhar até a cozinha, voltando, depois, com uma grande faca em sua mão. Ele
arregalou os olhos e perguntava o que ela iria fazer. Ela não respondia, porém.
Quando ela se aproximou, ergueu seu vestido o suficiente para que seu pai visse
suas pernas roxas.
-Desculpe-me, filha. Eu achei que
você estava exagerando; que era apenas uma situação passageira.
-Você tem razão, pai. É passageira.
No entanto, a única pessoa responsável por essa fase passar sou eu. Você não
ajudou em nada.
Com um único golpe no pescoço, ela
cortou artéria de seu pai e observou sua morte, cada gota de sangue. Ela
esperou até que ele esgotasse seu sangue. Assim que seu pai morreu, ela fechou
os olhos dele e foi para o andar de cima. Tirou seu vestido e vestiu outro que
trouxera na bolsa. Saiu da casa e foi direto para a sua.
Quando seu marido chegou, ela estava
esperando; estava seminua.
-Então é isso o que você quer,
vadia?
Ela apenas concordou com a cabeça.
Ele tirou as calças e aproximou-se dela. Quando ele se abaixou para tirar a calcinha
dela, a jovem pegou o abajur que estava próximo e acertou a cabeça do marido.
Ele caiu. Em seguida, ela pegou um pedaço de ferro que escondera atrás do sofá
e começou a espancá-lo. Batia com todas as suas forças enquanto lágrimas de
alegria e satisfação escorriam pelo seu rosto; era vingança. Ela jurara quando
seu pai ignorou seu pedido de ajuda.
O marido nem teve tempo para reagir.
Tomou tanta pancada na cabeça que acabou falecendo assim, espancado. Quando
teve certeza que o marido estava morto, ela sentou-se no sofá e deitou, rindo
muito. Chorava e ria ao mesmo tempo.
Pela manhã, ela pegou o celular e
ligou para a polícia da cidade.
-Alô! Quero informar sobre um
assassinato na rua Belarmino Vieira, nº 29 e outro assassinato na rua
Constantino Severo, 162. Eu sou a autora desses crimes.
Desligou. Em seguida, subiu até a
sacada de sua casa que dava para o quintal. Já estava tudo pronto. A corda que
providenciara uma semana antes já estava amarrada esperando que a jovem pusesse
seu pescoço. Assim fez.
Quando a polícia chegou à sua casa,
encontrou um bilhete.
Senhoras
e Senhores de toda a sociedade. Amanhã encerrarei a minha triste história.
Quero lhes dizer que meu homem – bom, honesto, honrado, cavalheiro –, era um
péssimo marido. Tudo o que eu fiquei sabendo que ele era fora de casa, o contrário
era dentro. Passei mais dois anos sofrendo em suas mãos. Sem saber o que fazer,
pedi ajuda aos meus pais. Eles sempre me odiaram. Nunca recebi um carinho.
Negaram ajuda. Todo amor que eu sentia, transformou-se em ódio e eu decidi
fazer o que fiz. Não me arrependo, até porque os encontrarei no inferno.
Infelizmente, todo meu sofrimento de nada valeu; eu joguei tudo no lixo.
Escolhi a forma errada de terminar este drama. Matei a todos que julguei
merecerem. Inclusive eu. Talvez por não ter tido coragem de ir à polícia, talvez
porque eu realmente seja culpada de tudo isso. Enfim, agradeço aos meus
vizinhos que percebi importarem-se comigo. Ao resto, desejo apenas que não
tenham mais pessoas que os enganem, assim como meu marido fez. Fora de casa, um
cavalheiro, dentro, um tirano. Espero que a mulher com quem ele me traía sinta
pena dele e leve flores à sua lápide. Contra ela, nada tenho. Amanhã bem cedo
será o último episódio desta minha triste novela real. Adeus.
Os policiais encontraram-na
pendurada na sacada da casa. Ela estava toda roxa. Em sua mão estava um pequeno
cartão que ela havia ganhado de seu marido enquanto ele ainda a amava.
Samuel Pereira