domingo, 29 de maio de 2016

Nem só de verde é feito o campo

Olhai os verdes campos.
Vês! Não só de verde é feito,
Mas de amarelas, roxas, azuis,
Vermelhas e rosas plantas

Colorido! Que vos é agressivo
Pelo simples fato de diferente ser.
Já que vós sois feitos de verde,
Amarelo, azul e rosa não aceitais.

Aceitai vós, o colorido do campo!
Apesar de verde não ser como vós,
Compõe também o campo.

Que não pecais, ignorando
Ou repudiando aqueles que,
Diferente de vós, coloridos são!

Samuel Pereira

Você partiu

Desde que você se foi, eu não tenho tido forças nem para pensar que você não está mais aqui. Para falar bem a verdade, hoje eu estivesse pensando. Hoje. 14 dias depois. Foi tudo tão repentinamente e eu ainda nem sei o porquê de isso ter acontecido. Por quê? Juro que não sei.
Lembro-me de todas as tardes de domingo que passávamos juntos. Sob o sol quente de verão, caminhávamos devagar rumo ao parque. À noite, ainda quente, tomávamos o sorvete que você dizia ser o mais gostoso da cidade. Eu apenas concordava, sem saber se realmente era. Não sou de chutar. Para responder com certeza, teria que pesquisar. Provar todos. Você gostava de abacaxi francês.
Nossos finais de semana sempre eram muito calorosos. Passávamos o dia inteiro jogando conversa fora; sérios assuntos, mas de forma descontraída. Política, educação, futuro, gostos e desgostos, amores passados...
Hoje, ao acordar e ver que não está em seu travesseiro, fez-me dar conta de que são 14 dias sem você. Sem ter motivos. Sem explicação. Sem volta.
Será que um dia voltaremos a nos encontrar? Cá, ou lá, em outra vida... Quem sabe?
Fique apenas com suas palavras em minha mente, que jamais serão esquecidas: Eu tenho que ir. Não podemos mais ficar juntos.
Você pegou suas malas, virou-me as costas e saiu. Deixou-me na porta.
A única explicação que me vem à cabeça é que seu amor por mim acabou.


Samuel Pereira

domingo, 27 de março de 2016

Renascer

E, então, reencarnou o Homem.
Assim como a fênix renasceu,
O Homem, entre nós, voltou.
Num tempo longínquo,
O mesmo homem, outro corpo.

Mas não voltou como nós homens.
Não mais nos lembramos
De nossas vidas passadas.
Nem das pessoas que amamos.
Qual era mesmo o meu nome?

Mas, incrivelmente, um de nós
Uma vez reencarnou –
Lembrando-se de seu nome,
Amando as mesmas pessoas.

Enquanto nós, homens mortais,
Nada trazemos de nossas antigas vidas.
Nós, homens simples,
Apenas renascemos em outro corpo.

Samuel Pereira

sexta-feira, 25 de março de 2016

Amor de uma noite

Quando me abandonaste
Triste me deixaste
Cansaste de mim, amor?

Enquanto dormia saíste
E, quando partiste,
Sentiste minha dor?

Amar-me não quiseste
Nem, ao menos, me disseste
Que querias somente meu calor.

Samuel Pereira

sábado, 19 de março de 2016

Triste história de Juliana Porfírio

Uma mulher, um longo tempo passou ao lado de seu marido. Ele, um homem muito bom, honesto e que tinha um cargo de prestígio na sociedade. Sua mulher era uma doce e adorável jovem que se entregara de corpo e alma ao marido, amando-o e respeitando. Não havia dúvidas de que eles se amavam.
   Amar foi o que a mulher mais fez desde que conheceu aquele homem maravilhoso. Era lindo, inteligente, charmoso e importante. Ela fazia de tudo por ele e ele, por ela. Seus vizinhos estavam muito contentes em poderem prestigiar todas aquelas cenas de cavalheirismo, toda aquela cena de casal apaixonado.
   Alguns meses depois, aquilo que os vizinhos observavam tornou-se, literalmente, cena. Cena de filme de romance. Tão falso quanto as cenas que podemos observar nos filmes. O marido da jovem estava revelando-se. Revelando seu verdadeiro caráter marital. Sua doce e adorável esposa estava cada dia mais abatida.
   O homem, cavalheiro perante os olhos sociais, era um marido cada vez pior. Tudo começou com uma simples discussão entre o casal. Ela tinha errado a quantidade de sal no arroz. Faltava sal no arroz e um pouco de compreensão e paciência no marido, afinal, aquilo nunca acontecera. Seu marido jogou o prato de comida no chão para que ela limpasse. Disse que não era obrigado a comer porcaria. Sua mulher, chorando, recolheu a sujeira e se pôs diante do fogão para, mais uma vez, cozinhar o jantar. Enquanto ela preparava o arroz, seu marido vai a um restaurante jantar. Nem, ao menos, avisou a sua esposa. Ela ficou preparando o prato do marido, acreditando que ele logo retornaria.
   O homem, ainda irritado, terminou seu jantar e, no caminho para casa, resolveu parar um bar, pois avistara alguns amigos. Sua mulher, sozinha em casa, quando percebeu que, às vinte e três horas, seu marido não viria jantar com ela, deitou-se em sua cama e começou a chorar, culpando-se e se autopunindo, dizendo a si mesma que era incompetente.
   Quando o marido chegou em casa, subiu até o quarto do casal e viu sua mulher chorando, inconsoladamente. Ele pediu desculpas à mulher e disse que foi tudo um mal entendido e que ela devia desculpá-lo. Disse que teve um problema no trabalho e estava muito nervoso. A mulher, muito apaixonada, vira-se e dá-lhe um forte abraço e diz que o ama.
   Tudo voltara ao normal; quase. Duas semanas depois, o homem chega irritado em casa e trata sua mulher com muita grosseria. A pobre mulher pergunta o que estava acontecendo, mas a única resposta que obteve, através do grito do seu marido, foi “NÃO TE INTERESSA, VADIA!”. O marido se levantou e empurrou sua mulher, que estava servindo-lhe chá antes do jantar. Ela deu um pequeno grito; um pouco do chá do bule que estava em sua mão caiu em seu braço e em seu pé. Ele nem se importou. Subiu até o quarto e bateu a porta. A jovem esposa lavou o braço e subiu tomar um banho.
   No dia seguinte, a mulher acordou e preparou o café para o marido. Ele levantou e passou direto pela cozinha, sem nem despedir-se da esposa. Foi trabalhar. Ela deixou cair os ombros. Pôs-se a chorar. Quando o relógio mostrou a hora do marido chegar, o chá já estava à mesa. Para agradá-lo e tentar passar por cima dessa fase ruim, ela comprou bolo de cenoura e alguns ingredientes para uma deliciosa sobremesa. Seu marido não chegou. Ela ficou muito preocupada e tentou ligar para ele, porém seu celular estava desligado. Acabara a bateria, pensou ela.
  Mais uma vez, estava a jovem sozinha em sua aconchegante casa. Estava tudo preparado para quando o marido chegasse. Ela preparara o chá da tarde e ele não chegou; ela preparara o jantar, todavia ele não chegou; a sobremesa ficara pronta e, infelizmente, ele não chegou. Somente durante a madrugada, em meio ao som do choro da jovem, o ranger da porta do quarto anunciou a chegada do marido. Ela levantou-se e deu um forte abraço em seu marido, aliviada. No entanto, seu marido a empurra em direção à cama. Ela, assustada, caiu, mas a única coisa que disse foi que estava feliz por ele estar lá; não estava ferido, não havia se metido em brigas, não fora assaltado. Ele, muito irritado, xingou-a e meteu-se para fora do quarto. Ela ficou lá. Pensou ela que seu marido já estava mais calmo. Desceu até a sala e disse-lhe que ele precisava jantar. Ele negou, olhando apenas para o filme que passava. Então, a fim de agradá-lo, ela disse que fizera sobremesa e estava pronta na geladeira. Ela virou o rosto para ela. Seu olhar era de fúria.
    -Você saiu de casa? – perguntou, levantando-se do sofá.
    -Sim. Fui comprar os ingredientes para a sobremesa.
   -Sua vadia profana – acertou-lhe um tapa no rosto. – Quem deu-lhe ordem para sair?
   -O que você está fazendo? – disse enquanto rolava lágrimas em seu rosto.
    -Eu não quero que saia nunca mais, puta!
   Ela o encarou por alguns instantes; não entendera o porquê daquela atitude do marido. Subiu correndo as escadas e trancou-se no quarto de hóspedes. Deitou-se na cama e chorou até adormecer.
    Pela manhã, acordou com seu marido batendo à porta do quarto. “Acorde!”, dizia ele. Ela se levantou e abriu a porta.
   -Que tipo de esposa não prepara o café para o marido?
   Ele, antes de qualquer resposta, grudou no braço delicado da esposa e a puxou escada a baixo e a jogou para dentro da cozinha.
   -Cozinhe, vadia!
   -Por que você está fazendo isso? Você não era assim.
   Ele aproximou-se bruscamente e pegou os cabelos da nuca dela.
   -Esqueça aquele homem que você conheceu porque você não me serve mais como mulher, apenas como minha esposa medíocre e puta.
   Ela o empurrou.
   -Eu não sou puta! – gritou.
  -Não? Que tipo de mulher sai de casa enquanto seu marido está trabalhando? Uma puta.
  -Eu apenas fui ao mercado.
  -Chega! – gritou – Estou atrasado e você vai me atrasar ainda mais.
   Ela, sem saber o que fazer, virou-se e começou a preparar o café do marido. Ficou pronto em 10 minutos, todavia seu marido já estava se levantando da mesa.
   -Demorou muito. Tome café sozinha. Eu vou à padaria.
   Ele saiu e bateu a porta.
   Quando voltou à noite, sua mulher estava esperando na sala.
   -Onde você estava, meu amor?
   -Não te IN-TE-RES-SA!
   Ele acendeu a luz e, então, uma faca entrou no coração da pobre jovem apaixonada
   Ao acender a luz da sala, seu marido revelou uma marca de batom vermelho na gola de sua camisa. Ela começou a chorar imediatamente. Ele percebeu. Caminhou na direção da mulher, calmamente, abrindo o cinto. Quando chegou perto, pôs a mão no seio da jovem. Instantaneamente, ela bateu em sua mão, tirando-a de seu corpo. Irritado, o marido deu um tapa no rosto dela, derrubando-a do sofá. Com chutes, continuou a agredir sua esposa. Tirou o cinto que envolvia suas calças e continuou a agredi-la usando o objeto. Parou e sentou-se no sofá. Ela estava chorando no chão. Sangrava. Ele se levantou e a pôs de pé, levantando-a pelos cabelos. Pegou em sua garganta e disse que se ela contasse a alguém, iria bater mais. Jogou-a no sofá. Ele subiu e trancou a porta do quarto.
   Amanheceu. Ela ainda estava no sofá; não dormira. Levantou-se e foi até o banheiro de visitas e lavou-se. Ouviu que o marido estava descendo as escadas para ir trabalhar. Fechou a porta do banheiro e trancou. Quando escutou a porta da sala se fechando, ela abriu lentamente a porta, espiando através da abertura que aumentava devagar. Ele já saíra. Ela tirou suas roupas e subiu tomar um banho. Estava desolada. Não acreditava naquilo que vinha acontecendo há mais de um mês. “Mas, ontem, ele passou dos limites”, pensou a pobre mulher. Durante seu banho, as costas ardiam devido aos ferimentos causados pelo cinto do homem. Homem; não mais seu marido.
   Meses passando por esse sofrimento sem que pudesse abrir a boca. Quando os vizinhos perguntavam sobre as manchas que, a cada semana, aparecia num lugar diferente do corpo esbelto da jovem mulher. No rosto, nos braços, um olho roxo. Cada semana uma desculpa nova. “Bati meu rosto porta”; “O roxo nos meus braços? Ah, deve ser de algum lugar que eu bati”; quando fui pegar meu brinco que caiu, bati o olho na cama”.
   Contudo, percebiam os vizinhos que a jovem não era a mesma. Estava nitidamente deprimida, sempre cabisbaixa, saía menos no portão de sua casa. Quando um dos vizinhos apareciam, ela logo metia-se para dentro de casa. “Algo está errado”, pensavam o idoso casal que morava ao lado.
   Passaram-se longos meses sem que a rotina de apanhar terminasse. Ela tentava de tudo, porém seu marido nunca estava satisfeito. Ele sempre a humilhava, sempre batia nela. Quando ela dizia que estava infeliz e que queria divorciar-se, ele dizia que era falta de sexo e a forçava a transar com ele.
    E, assim, passaram-se mais meses. Ela já nem saía mais na rua, pois as marcas já tomavam quase seu corpo todo. Seu marido já expusera que não gostava mais dela. Assumiu que tinha outra mulher e que ela o fazia muito feliz, em todos os aspectos, e que sua mulher era apenas um brinquedo, um animal de estimação.
   A raiva dentro de seu coração já destruíra todo e qualquer amor que havia lá dentro. Nem mesmo seus pais ela amava mais. Eles não se importavam com ela, nunca a haviam visitado. Apenas ligavam. Quando ela lhes contou por telefone o que acontecia dentro da casa, seu pai lhe disse que a culpa era dela, pois, se ela fosse uma esposa melhor, seu marido não estaria fazendo isso. Aquilo foi a gota d’água.
    Ela, enquanto seu marido trabalhava, foi até a casa dos pais. Bateu à porta e quem lhe atendeu foi sua mãe. Ela entrou sem nem falar com a mãe. Procurou seu pai pela casa, contudo, não encontrou. Perguntou à sua mãe que disse que ele havia saído e voltaria em algumas horas. A jovem, então, encarou a mãe.
   -Você sabia disso? – subindo o vestido que estava cobrindo as marcas horríveis que estavam por todo seu corpo.
  -Filha, eu... eu... sinto muito...
  -Sente muito? Você sente muito? Eu queria que papai e você tivessem me deixado em algum buraco para morrer.
   -Não diga isso, filha. Nós te amamos.
   A jovem começou a chorar.
  -Agora é tarde para dizer isso, mamãe. Eu não te amo mais.
  A jovem, sacou uma tesoura da bolsa e enfiou em sua mãe. Tirou e enfiou novamente, não na barriga, dessa vez no peito. Sua mãe caiu. Em sua cabeça, não conseguia recordar-se de uma única vez que dissera que amava a filha. As únicas lembranças eram de maus tratos, humilhação, submissão. Percebeu que iria para o inferno, mesmo indo três vezes por semana na igreja. Aquilo não adiantava; seu pecado era dentro de casa. A jovem ficou olhando sua mãe morrer no chão da sala. Não se arrependeu em momento algum. Quando sua mãe deu o último suspiro, ela retirou a longa tesoura que estava no peito de sua mãe e fechou os olhos dela. Ela subiu para seu antigo quarto. Ainda continha todas as bonecas suas. Deitou-se na cama. Algumas poucas horas depois, ouviu seu pai estacionando na frente da casa. Desceu.
   Quando seu pai abriu a porta da sala, a primeira coisa que viu foi sua mulher morta no chão e, em seguida, sua visão escureceu. Havia levado uma pancada na cabeça. Alguns minutos depois, ao acordar, sentiu sua cabeça doer como nunca. “Meu Deus, minha casa foi invadida”, pensou o homem amarrado à uma cadeira. De repente, ouviu passos atrás de si. Tentou se virar, não conseguiu. De repente, não creu em seus olhos. A pessoa que o havia amarrado era sua própria filha.
    -O que você está fazendo, filha?
    -Não me chame mais assim.
    -O quê? Mas por quê?
   -Pai, era para você ser meu herói, mas, infelizmente, você ajudou o vilão a dar um final triste para a história.
   Ele, sem entender, observou a filha caminhar até a cozinha, voltando, depois, com uma grande faca em sua mão. Ele arregalou os olhos e perguntava o que ela iria fazer. Ela não respondia, porém. Quando ela se aproximou, ergueu seu vestido o suficiente para que seu pai visse suas pernas roxas.
   -Desculpe-me, filha. Eu achei que você estava exagerando; que era apenas uma situação passageira.
  -Você tem razão, pai. É passageira. No entanto, a única pessoa responsável por essa fase passar sou eu. Você não ajudou em nada.
  Com um único golpe no pescoço, ela cortou artéria de seu pai e observou sua morte, cada gota de sangue. Ela esperou até que ele esgotasse seu sangue. Assim que seu pai morreu, ela fechou os olhos dele e foi para o andar de cima. Tirou seu vestido e vestiu outro que trouxera na bolsa. Saiu da casa e foi direto para a sua.
  Quando seu marido chegou, ela estava esperando; estava seminua.
   -Então é isso o que você quer, vadia?
  Ela apenas concordou com a cabeça. Ele tirou as calças e aproximou-se dela. Quando ele se abaixou para tirar a calcinha dela, a jovem pegou o abajur que estava próximo e acertou a cabeça do marido. Ele caiu. Em seguida, ela pegou um pedaço de ferro que escondera atrás do sofá e começou a espancá-lo. Batia com todas as suas forças enquanto lágrimas de alegria e satisfação escorriam pelo seu rosto; era vingança. Ela jurara quando seu pai ignorou seu pedido de ajuda.
  O marido nem teve tempo para reagir. Tomou tanta pancada na cabeça que acabou falecendo assim, espancado. Quando teve certeza que o marido estava morto, ela sentou-se no sofá e deitou, rindo muito. Chorava e ria ao mesmo tempo.
   Pela manhã, ela pegou o celular e ligou para a polícia da cidade.
  -Alô! Quero informar sobre um assassinato na rua Belarmino Vieira, nº 29 e outro assassinato na rua Constantino Severo, 162. Eu sou a autora desses crimes.
   Desligou. Em seguida, subiu até a sacada de sua casa que dava para o quintal. Já estava tudo pronto. A corda que providenciara uma semana antes já estava amarrada esperando que a jovem pusesse seu pescoço. Assim fez.
   Quando a polícia chegou à sua casa, encontrou um bilhete.
   Senhoras e Senhores de toda a sociedade. Amanhã encerrarei a minha triste história. Quero lhes dizer que meu homem – bom, honesto, honrado, cavalheiro –, era um péssimo marido. Tudo o que eu fiquei sabendo que ele era fora de casa, o contrário era dentro. Passei mais dois anos sofrendo em suas mãos. Sem saber o que fazer, pedi ajuda aos meus pais. Eles sempre me odiaram. Nunca recebi um carinho. Negaram ajuda. Todo amor que eu sentia, transformou-se em ódio e eu decidi fazer o que fiz. Não me arrependo, até porque os encontrarei no inferno. Infelizmente, todo meu sofrimento de nada valeu; eu joguei tudo no lixo. Escolhi a forma errada de terminar este drama. Matei a todos que julguei merecerem. Inclusive eu. Talvez por não ter tido coragem de ir à polícia, talvez porque eu realmente seja culpada de tudo isso. Enfim, agradeço aos meus vizinhos que percebi importarem-se comigo. Ao resto, desejo apenas que não tenham mais pessoas que os enganem, assim como meu marido fez. Fora de casa, um cavalheiro, dentro, um tirano. Espero que a mulher com quem ele me traía sinta pena dele e leve flores à sua lápide. Contra ela, nada tenho. Amanhã bem cedo será o último episódio desta minha triste novela real. Adeus.

    Os policiais encontraram-na pendurada na sacada da casa. Ela estava toda roxa. Em sua mão estava um pequeno cartão que ela havia ganhado de seu marido enquanto ele ainda a amava.

Samuel Pereira

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Eis me aqui

Eis que venho buscando a felicidade;
Aquela mesma que eu encontrara,
Antes, em teus olhos vívida,
Mas que eu perdi no fim.

Eis que venho buscando a calmaria;
A mesma que eu já sentira
Quando jazido em teus braços e,
Entretanto, não soube aproveitar.

Eis que venho buscando o amor;
O amor que tinhas tu por mim,
Mas, de repente, deixaste de tê-lo
À falta de reciprocidade

Eis me aqui, sem felicidade
Sem amor, sem a calmaria
Sem qualquer coisa que eu ganhara
Quando você ainda eu tinha

Samuel Pereira

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Tarde demais!

Mais uma noite que não consigo dormir
Talvez eu tenha me acostumado ao seu corpo
Sinto que seja isto a causa da insônia
Mas, agora, é tarde demais para qualquer coisa

Se eu pudesse me fazer entender,
Você acreditaria em mim;
E agora já é muito tarde para qualquer coisa
E, novamente, tenho insônia.

Eu até queria que você pudesse me ver agora,
Mas está tarde para tentar qualquer coisa.
Mais uma noite em claro!
Talvez seja a falta do seu corpo.

Agora não tenho mais tempo para tentar qualquer coisa
Ainda estou acordado
Sentindo falta do seu corpo.
Ah! Mais uma de muitas noites sem dormir.

Samuel Pereira

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Lembrança

Hoje vai ser um dia muito especial. Papai vai nos levar ao parque de diversão. Já estão todos preparados, só falta a mamãe terminar de arrumar o cabelo. Agora são 7h. Chegaremos lá por volta das 8h. Eu fui o primeiro a acordar. Quando papai chegou ao meu quarto eu já estava de tênis. Ele pegou e olhou um porta-retratos com algumas fotos minhas e saiu.
Karina, minha irmã, foi a última a acordar. Há alguns dias que estou ouvindo ela dizer que não tem motivos para ir se divertir. Parece que ela está o tempo todo triste. Há alguns meses, li na internet que isso pode ser normal na idade dela. É a tal da adolescência; mas mamãe e papai insistiram que ela fosse.
Ouvi papai gritando “Vamos, então”. Já estavam todos prontos. Corri, então, para o carro. Queria ser o primeiro a entrar. Tentei abrir a porta do carro, mas não consegui. Achei que ainda estava trancada. Ouvi eles descendo as escadas para a garagem e escondi-me atrás de um saco plástico onde havia roupas para serem doadas. Papai desbloqueou as portas e, quando Karina abriu a porta, aproveitei e entrei atrás dela. Ela quase acertou o braço em meu rosto quando foi fechar a porta e nem pediu desculpas. Fiz cara feia para ela e a única coisa que ela disse foi que estava com um pouco de frio.
Papai ligou o carro e quando mamãe abriu a porta da garagem ele saiu. Mamãe fechou o portão e entrou no carro. Todos estavam com cara de desanimados e estavam em silêncio, então, fiquei quietinho também a viagem toda. O único som era o do pen drive no rádio tocando Kashmir de uma banda que papai adorava.
Quando chegamos no parque, fomos à bilheteria para pegar as entradas e ouvi papai dizendo que eram apenas três. Fiquei surpreso porque da última vez que viemos eu pagava meia entrada. Acho que houve alguma alteração. Caminhamos até a entrada e papai entregou as entradas para o homem que as recebia na entrada e ele, em seguida, disse para aproveitarmos o dia. Acho que ele não estava gostando de trabalhar, pois eu disse “Muito obrigado, senhor”, mas ele não respondeu.
Depois que passamos a entrada, andamos mais alguns metros e, de repente, Karina para e começa a chorar. “Eu não vou conseguir”, dizia ela, chorando. Eu fiquei assustado. Será que ela tem medo de brinquedos de parque de diversão, pensei. Mas na última vez que viemos ela não fez isso. Ela adorou vir ao parque da última vez. Lembro-me que, logo que entramos no parque, ela agarrou minha mão e saiu correndo, puxando-me e dizendo para irmos logo. Então porque ela estaria chorando desta vez? Estranho.
Mamãe a abraçou e papai ficava dizendo que tínhamos que superar o que aconteceu. Que tínhamos que enfrentar o passado. E que ficar em casa trancados não mudaria o que aconteceu. Apenas pioraria. Eu não estava entendendo nada. Karina disse que sabia que nada mais poderia ser feito, mas que ainda não estava preparada para aquilo.
- Tudo bem, filha. Vamos voltar – disse papai.
Eu fiquei assustado e ao mesmo tempo triste porque iríamos voltar para casa, pelo que entendi, e eu nem sabia o porquê. Tentei perguntar o motivo de voltarmos, mas ninguém me respondia. Sequer olhavam para mim. Apenas os segui de volta para o carro. Entrei atrás da Karina de novo. Eu fiquei bravo, mas no carro não tentei perguntar de novo o que estava acontecendo. Karina ainda chorava e, agora, mamãe também estava chorando.
Ao chegar em casa, mamãe abriu o portão e papai entrou com o carro. Karina abriu a porta e saiu correndo. Acho que correu para o quarto. Nem fechou a porta do carro. Eu saí do carro e papai fechou a porta. Trancou o carro e subiu as escadas. Subi, em seguida. Fui até a porta do quarto da minha irmã. Ela estava deitada em sua cama. Aproximei-me e ela puxou um cobertor e cobriu-se. Acho que não queria conversar.
Decidi, então, falar com meu pai. Fui até o quarto dos meus pais e eles também estavam deitados na cama. Aproximei-me e mamãe reclamou que estava sentindo frio. Papai levantou-se e pegou um cobertor fino e cobriu minha mãe. Ela ainda chorava um pouco. Fiquei triste por vê-la assim, então nem perguntei nada.
Desci até a sala e sentei-me no sofá. Estava com muito sono, talvez por acordar cedo. Deitei-me. Adormeci. Acordei algumas horas depois e levantei-me do sofá. Escutei conversas na cozinha e fui até lá. Estavam meus pais sentados à mesa jantando. Junto estava um homem segurando um microfone e um outro segurando uma câmera. Enquanto eu me aproximava devagar, ouvi uma coisa que me fez parar.
- Sinto muito pelo que aconteceu, Richard – disse o homem com microfone ao meu pai.
- Ainda está sendo muito difícil para nós – disse meu pai.
Parei, pois tive a impressão de que todos sabiam de alguma coisa. Menos eu. Em seguida, papai segurou a mão da minha mãe e foi neste momento que ele disse uma coisa que me deixou perplexo o suficiente para sair correndo dali.
- A morte do nosso filho vai ser uma dor que nunca superaremos por completo. Ainda mais do jeito que ele foi morto.
Sai correndo para meu quarto. Não entendi por que papai disse aquilo para aquele homem que eu nem conhecia, mas deixou-me muito triste. Acho que ele não gosta mais de mim. Joguei-me em minha cama e chorei até adormecer. De repente, sinto alguém me cutucando os ombros e acordo. Quando me virei para ver quem era, fiquei impressionado. Era uma pessoa estranha. Eu nunca a havia visto, mas, inexplicavelmente, não senti medo dele. Parecia um anjo. Fiquei impressionado porque estava brilhando. Uma luz irradiava de seu corpo.
Ele estendeu-me a mão e disse que estava chegando a hora de eu partir. Disse que era para eu ir com ele para me mostrar uma coisa. Eu segurei sua mão e, de repente, estávamos de volta à cozinha, diante da mesa de jantar. Assustei-me. Ele pediu, então, que eu ouvisse o que papai estava dizendo. E, a cada palavra, eu sentia que uma lâmina perfurava meu coração.
- De tanto que nosso filho insistiu, deixamos o trabalho extra de lado e planejamos um final de semana em família – explicava papai. – Era a primeira vez da Karina no parque e, quando entramos no parque, ela segurou a mão dele e disse que iriam se divertir. Havíamos combinado de nos encontrar na entrada às 18h para irmos embora. Infelizmente, não ficamos nem uma hora nos divertindo. Enquanto eu e Michele estávamos na fila para a montanha-russa, Karina aparece desesperada dizendo que não estava encontrando o Vítor.
Gelei quando ouvi meu nome.
- Saímos da fila – continuou mamãe – e fomos procurar pelo nosso filho. Procuramos por meia hora e nada. Pedimos, então, a ajuda do parque. Eles divulgaram pelo microfone as características do Vítor, como as roupas que estava usando. Esperamos uma hora e ninguém apareceu com nosso filho. Chamamos a polícia.
- Quanto tempo levou para que encontrassem seu filho? – Perguntou o homem do microfone.
- A polícia procurou por dois dias. No segundo dia encontraram seu corpo numa pequena área cheia de árvores atrás do parque – explicou papai. – Ele estava no chão com sinais de estrangulamento e algumas facadas pelo corpo.
Papai começou a chorar. Mamãe começou a chorar. E eu também.
- Talvez, se não tivéssemos o deixado somente sob os cuidados da Karina, isso não teria acontecido – disse mamãe. – O pior é que ela se culpa pelo que aconteceu, mas não foi culpa dela. Ela nos disse que, enquanto ele foi ao banheiro, ela foi comprar sorvete numa das barraquinhas que ficava em frente ao banheiro. Ela voltou com o sorvete, mas ele demorou muito para sair. Ela pediu para que um homem que estava entrando no banheiro verificasse se estava tudo bem com seu irmão. O homem disse que não havia nenhuma criança no banheiro. Foi quando ela nos procurou, desesperada.
- O pior é que nem sabemos quem o matou e por que o matou. Ele era apenas uma criança – disse papai, ainda chorando. – Desculpem-me.
Neste momento, recordo-me do acontecido. Lembro-me que Karina deixou-me na porta do banheiro e disse que ia comprar sorvete. Entrei no banheiro e havia um homem limpando. Ele tinha um latão enorme de lixo com rodinhas. Era funcionário do parque. Não havia mais ninguém no banheiro naquele momento. Ele me cumprimentou e, sem motivo algum, deu um soco no meu rosto.
Depois, só me lembro de acordar dentro daquele latão, já do lado de fora do parque. Eu ainda estava meio tonto, sem saber o que havia acontecido. De repente, o latão para de se mover. Olhei para cima e vi aquele mesmo rosto do homem que me bateu antes. Ele agarrou-me pelos braços e me tirou do latão. Colocou-me no chão e tirou uma faca do bolso de trás. Eu estava com muito medo. Ele disse para eu ficar tranquilo, pois ele sabia que eu iria para céu. Então eu não gritei. Perguntei por que ele estava fazendo aquilo e ele respondeu dizendo que algumas coisas são inexplicáveis. Eu fechei os olhos. Foi quando senti uma dor insuportável, bem no peito. Esta foi só a primeira. Senti mais algumas, mas cada vez mais fracas. E parou. Senti, então, suas mãos em meu pescoço. Pensei em fazer alguma coisa, mas já não conseguia. Meu corpo estava ficando mole e senti que a vida estava saindo do meu corpo. A última coisa que lembrei, foi de ter visto os lindos olhos azuis do meu assassino e a lembrança dos rostos dos meus pais e da minha querida irmã. Acho que adormeci.
Olhei para o homem estranho que estava comigo e ele sorriu.
- Você sofreu, meu filho. Mas fique em paz. Está na hora de partir.
Entendi, então, que, naquele dia, eu havia morrido. Parecia um sonho, pois acordei em minha cama. Mas, o homem de branco explicou-me que eu não queria ir embora, pois não sabia que havia morrido. Por isso, ele me mostrou a entrevista que estava acontecendo em casa um mês depois da minha morte. Peguei sua mão e vi uma luz branca, muito forte, vindo em nossa direção. E esta foi minha última lembrança desta curta vida.

Samuel Pereira

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Cornetada

A palavra, hoje em dia,
Tem significado superficial.
Muitos dizem “Eu te amo!”
Como dizem “Feliz Natal!”.

Ninguém se preocupa em cumprir
As promessas que fizeram.
Só reclamam dos políticos,
Mas a si mesmo não enxergam.

Da boca só sai escárnio.
Coisa boa, dificilmente.
Só querem fofocar
E difamar quem é decente.

Olhe para você, hipócrita.
Fala tanto de fulano
E nem sabe que de você
Está falando o cicrano.

Cuidado!
Há seres humanos no planeta
Com suas línguas afiadas
Assoprando suas cornetas.

Samuel Pereira

A voz do meu desejo

Quando fecho meus olhos
Ouço uma voz que vem de longe;
Entra em minha mente
E faz-me adormecer.

Diz-me coisas, muitas coisas,
Que eu gostaria de ouvir.
Porém, sei que esta voz não é real.
É apenas o meu desejo.

Na verdade, a voz que ouço
Não é completamente desconhecida.
Esta voz é a sua voz.

A voz que eu desejo ouvir
O tempo todo em meu ouvido,
Mas sei que nunca poderei.

Samuel Pereira