domingo, 27 de março de 2016

Renascer

E, então, reencarnou o Homem.
Assim como a fênix renasceu,
O Homem, entre nós, voltou.
Num tempo longínquo,
O mesmo homem, outro corpo.

Mas não voltou como nós homens.
Não mais nos lembramos
De nossas vidas passadas.
Nem das pessoas que amamos.
Qual era mesmo o meu nome?

Mas, incrivelmente, um de nós
Uma vez reencarnou –
Lembrando-se de seu nome,
Amando as mesmas pessoas.

Enquanto nós, homens mortais,
Nada trazemos de nossas antigas vidas.
Nós, homens simples,
Apenas renascemos em outro corpo.

Samuel Pereira

sexta-feira, 25 de março de 2016

Amor de uma noite

Quando me abandonaste
Triste me deixaste
Cansaste de mim, amor?

Enquanto dormia saíste
E, quando partiste,
Sentiste minha dor?

Amar-me não quiseste
Nem, ao menos, me disseste
Que querias somente meu calor.

Samuel Pereira

sábado, 19 de março de 2016

Triste história de Juliana Porfírio

Uma mulher, um longo tempo passou ao lado de seu marido. Ele, um homem muito bom, honesto e que tinha um cargo de prestígio na sociedade. Sua mulher era uma doce e adorável jovem que se entregara de corpo e alma ao marido, amando-o e respeitando. Não havia dúvidas de que eles se amavam.
   Amar foi o que a mulher mais fez desde que conheceu aquele homem maravilhoso. Era lindo, inteligente, charmoso e importante. Ela fazia de tudo por ele e ele, por ela. Seus vizinhos estavam muito contentes em poderem prestigiar todas aquelas cenas de cavalheirismo, toda aquela cena de casal apaixonado.
   Alguns meses depois, aquilo que os vizinhos observavam tornou-se, literalmente, cena. Cena de filme de romance. Tão falso quanto as cenas que podemos observar nos filmes. O marido da jovem estava revelando-se. Revelando seu verdadeiro caráter marital. Sua doce e adorável esposa estava cada dia mais abatida.
   O homem, cavalheiro perante os olhos sociais, era um marido cada vez pior. Tudo começou com uma simples discussão entre o casal. Ela tinha errado a quantidade de sal no arroz. Faltava sal no arroz e um pouco de compreensão e paciência no marido, afinal, aquilo nunca acontecera. Seu marido jogou o prato de comida no chão para que ela limpasse. Disse que não era obrigado a comer porcaria. Sua mulher, chorando, recolheu a sujeira e se pôs diante do fogão para, mais uma vez, cozinhar o jantar. Enquanto ela preparava o arroz, seu marido vai a um restaurante jantar. Nem, ao menos, avisou a sua esposa. Ela ficou preparando o prato do marido, acreditando que ele logo retornaria.
   O homem, ainda irritado, terminou seu jantar e, no caminho para casa, resolveu parar um bar, pois avistara alguns amigos. Sua mulher, sozinha em casa, quando percebeu que, às vinte e três horas, seu marido não viria jantar com ela, deitou-se em sua cama e começou a chorar, culpando-se e se autopunindo, dizendo a si mesma que era incompetente.
   Quando o marido chegou em casa, subiu até o quarto do casal e viu sua mulher chorando, inconsoladamente. Ele pediu desculpas à mulher e disse que foi tudo um mal entendido e que ela devia desculpá-lo. Disse que teve um problema no trabalho e estava muito nervoso. A mulher, muito apaixonada, vira-se e dá-lhe um forte abraço e diz que o ama.
   Tudo voltara ao normal; quase. Duas semanas depois, o homem chega irritado em casa e trata sua mulher com muita grosseria. A pobre mulher pergunta o que estava acontecendo, mas a única resposta que obteve, através do grito do seu marido, foi “NÃO TE INTERESSA, VADIA!”. O marido se levantou e empurrou sua mulher, que estava servindo-lhe chá antes do jantar. Ela deu um pequeno grito; um pouco do chá do bule que estava em sua mão caiu em seu braço e em seu pé. Ele nem se importou. Subiu até o quarto e bateu a porta. A jovem esposa lavou o braço e subiu tomar um banho.
   No dia seguinte, a mulher acordou e preparou o café para o marido. Ele levantou e passou direto pela cozinha, sem nem despedir-se da esposa. Foi trabalhar. Ela deixou cair os ombros. Pôs-se a chorar. Quando o relógio mostrou a hora do marido chegar, o chá já estava à mesa. Para agradá-lo e tentar passar por cima dessa fase ruim, ela comprou bolo de cenoura e alguns ingredientes para uma deliciosa sobremesa. Seu marido não chegou. Ela ficou muito preocupada e tentou ligar para ele, porém seu celular estava desligado. Acabara a bateria, pensou ela.
  Mais uma vez, estava a jovem sozinha em sua aconchegante casa. Estava tudo preparado para quando o marido chegasse. Ela preparara o chá da tarde e ele não chegou; ela preparara o jantar, todavia ele não chegou; a sobremesa ficara pronta e, infelizmente, ele não chegou. Somente durante a madrugada, em meio ao som do choro da jovem, o ranger da porta do quarto anunciou a chegada do marido. Ela levantou-se e deu um forte abraço em seu marido, aliviada. No entanto, seu marido a empurra em direção à cama. Ela, assustada, caiu, mas a única coisa que disse foi que estava feliz por ele estar lá; não estava ferido, não havia se metido em brigas, não fora assaltado. Ele, muito irritado, xingou-a e meteu-se para fora do quarto. Ela ficou lá. Pensou ela que seu marido já estava mais calmo. Desceu até a sala e disse-lhe que ele precisava jantar. Ele negou, olhando apenas para o filme que passava. Então, a fim de agradá-lo, ela disse que fizera sobremesa e estava pronta na geladeira. Ela virou o rosto para ela. Seu olhar era de fúria.
    -Você saiu de casa? – perguntou, levantando-se do sofá.
    -Sim. Fui comprar os ingredientes para a sobremesa.
   -Sua vadia profana – acertou-lhe um tapa no rosto. – Quem deu-lhe ordem para sair?
   -O que você está fazendo? – disse enquanto rolava lágrimas em seu rosto.
    -Eu não quero que saia nunca mais, puta!
   Ela o encarou por alguns instantes; não entendera o porquê daquela atitude do marido. Subiu correndo as escadas e trancou-se no quarto de hóspedes. Deitou-se na cama e chorou até adormecer.
    Pela manhã, acordou com seu marido batendo à porta do quarto. “Acorde!”, dizia ele. Ela se levantou e abriu a porta.
   -Que tipo de esposa não prepara o café para o marido?
   Ele, antes de qualquer resposta, grudou no braço delicado da esposa e a puxou escada a baixo e a jogou para dentro da cozinha.
   -Cozinhe, vadia!
   -Por que você está fazendo isso? Você não era assim.
   Ele aproximou-se bruscamente e pegou os cabelos da nuca dela.
   -Esqueça aquele homem que você conheceu porque você não me serve mais como mulher, apenas como minha esposa medíocre e puta.
   Ela o empurrou.
   -Eu não sou puta! – gritou.
  -Não? Que tipo de mulher sai de casa enquanto seu marido está trabalhando? Uma puta.
  -Eu apenas fui ao mercado.
  -Chega! – gritou – Estou atrasado e você vai me atrasar ainda mais.
   Ela, sem saber o que fazer, virou-se e começou a preparar o café do marido. Ficou pronto em 10 minutos, todavia seu marido já estava se levantando da mesa.
   -Demorou muito. Tome café sozinha. Eu vou à padaria.
   Ele saiu e bateu a porta.
   Quando voltou à noite, sua mulher estava esperando na sala.
   -Onde você estava, meu amor?
   -Não te IN-TE-RES-SA!
   Ele acendeu a luz e, então, uma faca entrou no coração da pobre jovem apaixonada
   Ao acender a luz da sala, seu marido revelou uma marca de batom vermelho na gola de sua camisa. Ela começou a chorar imediatamente. Ele percebeu. Caminhou na direção da mulher, calmamente, abrindo o cinto. Quando chegou perto, pôs a mão no seio da jovem. Instantaneamente, ela bateu em sua mão, tirando-a de seu corpo. Irritado, o marido deu um tapa no rosto dela, derrubando-a do sofá. Com chutes, continuou a agredir sua esposa. Tirou o cinto que envolvia suas calças e continuou a agredi-la usando o objeto. Parou e sentou-se no sofá. Ela estava chorando no chão. Sangrava. Ele se levantou e a pôs de pé, levantando-a pelos cabelos. Pegou em sua garganta e disse que se ela contasse a alguém, iria bater mais. Jogou-a no sofá. Ele subiu e trancou a porta do quarto.
   Amanheceu. Ela ainda estava no sofá; não dormira. Levantou-se e foi até o banheiro de visitas e lavou-se. Ouviu que o marido estava descendo as escadas para ir trabalhar. Fechou a porta do banheiro e trancou. Quando escutou a porta da sala se fechando, ela abriu lentamente a porta, espiando através da abertura que aumentava devagar. Ele já saíra. Ela tirou suas roupas e subiu tomar um banho. Estava desolada. Não acreditava naquilo que vinha acontecendo há mais de um mês. “Mas, ontem, ele passou dos limites”, pensou a pobre mulher. Durante seu banho, as costas ardiam devido aos ferimentos causados pelo cinto do homem. Homem; não mais seu marido.
   Meses passando por esse sofrimento sem que pudesse abrir a boca. Quando os vizinhos perguntavam sobre as manchas que, a cada semana, aparecia num lugar diferente do corpo esbelto da jovem mulher. No rosto, nos braços, um olho roxo. Cada semana uma desculpa nova. “Bati meu rosto porta”; “O roxo nos meus braços? Ah, deve ser de algum lugar que eu bati”; quando fui pegar meu brinco que caiu, bati o olho na cama”.
   Contudo, percebiam os vizinhos que a jovem não era a mesma. Estava nitidamente deprimida, sempre cabisbaixa, saía menos no portão de sua casa. Quando um dos vizinhos apareciam, ela logo metia-se para dentro de casa. “Algo está errado”, pensavam o idoso casal que morava ao lado.
   Passaram-se longos meses sem que a rotina de apanhar terminasse. Ela tentava de tudo, porém seu marido nunca estava satisfeito. Ele sempre a humilhava, sempre batia nela. Quando ela dizia que estava infeliz e que queria divorciar-se, ele dizia que era falta de sexo e a forçava a transar com ele.
    E, assim, passaram-se mais meses. Ela já nem saía mais na rua, pois as marcas já tomavam quase seu corpo todo. Seu marido já expusera que não gostava mais dela. Assumiu que tinha outra mulher e que ela o fazia muito feliz, em todos os aspectos, e que sua mulher era apenas um brinquedo, um animal de estimação.
   A raiva dentro de seu coração já destruíra todo e qualquer amor que havia lá dentro. Nem mesmo seus pais ela amava mais. Eles não se importavam com ela, nunca a haviam visitado. Apenas ligavam. Quando ela lhes contou por telefone o que acontecia dentro da casa, seu pai lhe disse que a culpa era dela, pois, se ela fosse uma esposa melhor, seu marido não estaria fazendo isso. Aquilo foi a gota d’água.
    Ela, enquanto seu marido trabalhava, foi até a casa dos pais. Bateu à porta e quem lhe atendeu foi sua mãe. Ela entrou sem nem falar com a mãe. Procurou seu pai pela casa, contudo, não encontrou. Perguntou à sua mãe que disse que ele havia saído e voltaria em algumas horas. A jovem, então, encarou a mãe.
   -Você sabia disso? – subindo o vestido que estava cobrindo as marcas horríveis que estavam por todo seu corpo.
  -Filha, eu... eu... sinto muito...
  -Sente muito? Você sente muito? Eu queria que papai e você tivessem me deixado em algum buraco para morrer.
   -Não diga isso, filha. Nós te amamos.
   A jovem começou a chorar.
  -Agora é tarde para dizer isso, mamãe. Eu não te amo mais.
  A jovem, sacou uma tesoura da bolsa e enfiou em sua mãe. Tirou e enfiou novamente, não na barriga, dessa vez no peito. Sua mãe caiu. Em sua cabeça, não conseguia recordar-se de uma única vez que dissera que amava a filha. As únicas lembranças eram de maus tratos, humilhação, submissão. Percebeu que iria para o inferno, mesmo indo três vezes por semana na igreja. Aquilo não adiantava; seu pecado era dentro de casa. A jovem ficou olhando sua mãe morrer no chão da sala. Não se arrependeu em momento algum. Quando sua mãe deu o último suspiro, ela retirou a longa tesoura que estava no peito de sua mãe e fechou os olhos dela. Ela subiu para seu antigo quarto. Ainda continha todas as bonecas suas. Deitou-se na cama. Algumas poucas horas depois, ouviu seu pai estacionando na frente da casa. Desceu.
   Quando seu pai abriu a porta da sala, a primeira coisa que viu foi sua mulher morta no chão e, em seguida, sua visão escureceu. Havia levado uma pancada na cabeça. Alguns minutos depois, ao acordar, sentiu sua cabeça doer como nunca. “Meu Deus, minha casa foi invadida”, pensou o homem amarrado à uma cadeira. De repente, ouviu passos atrás de si. Tentou se virar, não conseguiu. De repente, não creu em seus olhos. A pessoa que o havia amarrado era sua própria filha.
    -O que você está fazendo, filha?
    -Não me chame mais assim.
    -O quê? Mas por quê?
   -Pai, era para você ser meu herói, mas, infelizmente, você ajudou o vilão a dar um final triste para a história.
   Ele, sem entender, observou a filha caminhar até a cozinha, voltando, depois, com uma grande faca em sua mão. Ele arregalou os olhos e perguntava o que ela iria fazer. Ela não respondia, porém. Quando ela se aproximou, ergueu seu vestido o suficiente para que seu pai visse suas pernas roxas.
   -Desculpe-me, filha. Eu achei que você estava exagerando; que era apenas uma situação passageira.
  -Você tem razão, pai. É passageira. No entanto, a única pessoa responsável por essa fase passar sou eu. Você não ajudou em nada.
  Com um único golpe no pescoço, ela cortou artéria de seu pai e observou sua morte, cada gota de sangue. Ela esperou até que ele esgotasse seu sangue. Assim que seu pai morreu, ela fechou os olhos dele e foi para o andar de cima. Tirou seu vestido e vestiu outro que trouxera na bolsa. Saiu da casa e foi direto para a sua.
  Quando seu marido chegou, ela estava esperando; estava seminua.
   -Então é isso o que você quer, vadia?
  Ela apenas concordou com a cabeça. Ele tirou as calças e aproximou-se dela. Quando ele se abaixou para tirar a calcinha dela, a jovem pegou o abajur que estava próximo e acertou a cabeça do marido. Ele caiu. Em seguida, ela pegou um pedaço de ferro que escondera atrás do sofá e começou a espancá-lo. Batia com todas as suas forças enquanto lágrimas de alegria e satisfação escorriam pelo seu rosto; era vingança. Ela jurara quando seu pai ignorou seu pedido de ajuda.
  O marido nem teve tempo para reagir. Tomou tanta pancada na cabeça que acabou falecendo assim, espancado. Quando teve certeza que o marido estava morto, ela sentou-se no sofá e deitou, rindo muito. Chorava e ria ao mesmo tempo.
   Pela manhã, ela pegou o celular e ligou para a polícia da cidade.
  -Alô! Quero informar sobre um assassinato na rua Belarmino Vieira, nº 29 e outro assassinato na rua Constantino Severo, 162. Eu sou a autora desses crimes.
   Desligou. Em seguida, subiu até a sacada de sua casa que dava para o quintal. Já estava tudo pronto. A corda que providenciara uma semana antes já estava amarrada esperando que a jovem pusesse seu pescoço. Assim fez.
   Quando a polícia chegou à sua casa, encontrou um bilhete.
   Senhoras e Senhores de toda a sociedade. Amanhã encerrarei a minha triste história. Quero lhes dizer que meu homem – bom, honesto, honrado, cavalheiro –, era um péssimo marido. Tudo o que eu fiquei sabendo que ele era fora de casa, o contrário era dentro. Passei mais dois anos sofrendo em suas mãos. Sem saber o que fazer, pedi ajuda aos meus pais. Eles sempre me odiaram. Nunca recebi um carinho. Negaram ajuda. Todo amor que eu sentia, transformou-se em ódio e eu decidi fazer o que fiz. Não me arrependo, até porque os encontrarei no inferno. Infelizmente, todo meu sofrimento de nada valeu; eu joguei tudo no lixo. Escolhi a forma errada de terminar este drama. Matei a todos que julguei merecerem. Inclusive eu. Talvez por não ter tido coragem de ir à polícia, talvez porque eu realmente seja culpada de tudo isso. Enfim, agradeço aos meus vizinhos que percebi importarem-se comigo. Ao resto, desejo apenas que não tenham mais pessoas que os enganem, assim como meu marido fez. Fora de casa, um cavalheiro, dentro, um tirano. Espero que a mulher com quem ele me traía sinta pena dele e leve flores à sua lápide. Contra ela, nada tenho. Amanhã bem cedo será o último episódio desta minha triste novela real. Adeus.

    Os policiais encontraram-na pendurada na sacada da casa. Ela estava toda roxa. Em sua mão estava um pequeno cartão que ela havia ganhado de seu marido enquanto ele ainda a amava.

Samuel Pereira